Publicado em 21/01/2010 Permalink
Tags: terremoto, Haiti, negros, África
"Repatriação" oferecida pelo Senegal ressalta teorias pan-africanas. Momento favorece lembrança do imperador idolatrado pelos jamaicanos e cantado por Bob Marley
Após o terremoto do dia 12 de janeiro no Haiti e destruiu parte da capital do país, o presidente do Senegal propôs que os haitianos "retornem" à África. A ideia de Abdoulaye Wade fez reviver uma das propostas básicas do movimento rastafari ao considerar possível que os habitantes do país deixem o sofrimento caribenho para ocupar um território que, promete, será fértil, e com similaridades com o caso de Israel.
A proposta, criticada pelos oposicionistas a Wade, deve ser apresentada à União Africana, com a possibilidade de que se aprove a criação de um novo país para abrigar os haitianos que desejem mudar de continente. "Tudo o que estamos dizendo é que os haitianos não os levaram para lá. Eles estão lá devido à escravidão, cinco séculos de escravidão", disse o presidente à Reuters TV. "Temos de lhes oferecer a chance de vir à África, esta é a minha ideia. Eles têm tantos direitos na África quanto eu tenho."
É provável que a proposta do senegalês não tenha sido conhecida pela maioria dos haitianos, ocupados como estão no resgate de vítimas sob escombros, no tratamento de feridos e impossibilitados de acesso a meios de comunicação.
De toda maneira, a proposta tem um fundo histórico que remete ao surgimento das ideias pan-africanas, as primeiras delas no fim do século XIX. Foi com o jamaicano Marcus Garvey (1887-1940) que o sentido de retorno ao continente africano ganhou força pela primeira vez. No fim da década de 1920, ele soltou aquela que pouco depois seria transformada em uma profecia: quando um negro for coroado rei de uma nação africana, terá iniciado a época de redenção.
Pouco depois, em novembro de 1930, subia ao trono da Etiópia Tafari Makonnen, neto de uma princesa da dinastia que se proclamava descendente da Rainha de Sabá e do Rei Salomão de Israel. Ras Tafari (Rei Tafari) logo foi proclamado Haile Selassié (Nova Flor), Senhor dos Senhores, Leão Conquistador da Tribo de Judá, Eleito de Deus.
Do outro lado do oceano, na Jamaica, os admiradores de Marcus Garvey não tardaram em ver que aquele era o cumpridor da profecia. Para desespero de Garvey, livres interpretações da Bíblia levaram a mostrar que aquele descendente de Salomão era um representante de Deus na Terra.
Federação etíope
Em 1935, o exército italiano de Benito Mussolini invadiu a Etiópia e Haile Selassié, que conduzia uma tentativa de modernização de seu país, foi à Liga das Nações, então precursora da Organização das Nações Unidas (ONU), pedir que interviesse no caso. Mas a resposta foi negativa. Depois de um ano de exílio em Londres, ele conseguiu o apoio do primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, para retornar à nação africana e expulsar os italianos.
O sucesso da operação fez Selassié fundar uma federação etíope para recompensar todos aqueles que haviam colaborado com a causa. A primeira unidade da instituição foi aberta na Jamaica, e de lá muitas pessoas viajaram à Etiópia, que então já tinha uma aura de terra prometida, embora o próprio imperador rejeitasse o rótulo de representante de Deus.
Nas décadas seguintes, o movimento rastafari surgido na Jamaica tornou-se conhecido internacionalmente graças à difusão do reggae, em especial com Bob Marley e The Wailers, a partir da segunda metade dos anos 1960. Várias músicas do cantor jamaicano são trechos de discursos de Selassie ou reflexões sobre o rastafarismo. Nasceram daí "War" e "Africa United", por exemplo, que tratam de discriminação e do retorno dos africanos ao continente de origem.
Danilo Rabelo, professor da Universidade Federal de Goiás e autor da tese de doutorado "Rastafari: identidade e hibridismo cultural na Jamaica, 1930-1981", cujo trabalho de pesquisa serviu de base para esse post, explica que Bob Marley foi fundamental em garantir que novos integrantes do movimento surgissem ao redor do mundo. Por outro lado, o uso da maconha, surgido posteriormente à fundação do rastafarismo (ou rastafarianismo, como é chamado por alguns pesquisadores), embora tivesse um uso religioso, contribuiu para o surgimento de alguns preconceitos contra os seguidores dessa linha de pensamento.
Sidney Rocha, diretor da Associação Cultural Nova Flor, explica que essas ideias pan-africanas chegaram à Bahia na década de 1970, em meio à ditadura, e que a discriminação contra os negros se somou aos novos estigmas. Sobre a proposta do Senegal aos haitianos, ele considera muito importante que um país africano se abra para receber "os irmãos da diáspora."
Diáspora é um termo fortalecido pelos seguidores de Garvey e que conecta os rastafari diretamente aos nascidos em Israel. Os "filhos espalhados de Israel", portanto, deveriam retornar à sua Terra Prometida. "Mas a Terra Prometida não está só na questão física. Está principalmente na consciência de cada um, de construir, onde quer que estejamos, uma sociedade justa e igualitária", explica Rocha.
Selassié não morreu
Haile Selassié, apesar de ter buscado promover algumas melhorias, teve uma contraditória e prolongada gestão de 44 anos (de 1930 a 1974). Denúncias de corrupção e a manutenção de um ostentatório estilo de vida, aliados ao crescimento de movimentos reivindicatórios e a fatores naturais, como secas prolongadas, levaram ao questionamento do seu reinado.
Nada que ferisse a imagem dele junto aos rastafari. "Muitos consideram que Haile Selassié não morreu. Ele está em algum lugar e vai voltar. Muitos acham que é uma armação da mídia", afirma Danilo Rabelo.
Bob Marley mesmo chegou a gravar uma música chamada Jah Live. Jah é Jeová, Deus. E "live" é o termo inglês para "vive". Ou seja, para os rastafari, Deus vive.
O fato é que a proposta de repatriação dos africanos está por aí, como mostram as palavras do presidente do Senegal: "Creio que é uma boa oportunidade para fazer uma reparação de condenação à escravatura: fazer esforços para criar na África, juntamente com os africanos, um espaço a ser determinado pelos haitianos com as condições que lhes permitam regressar."
Pode ser o início da realização de um verso de outra canção-símbolo da obra de Bob Marley. Em"Exodus" (êxodo, movimento de migração em massa de um povo), a canção abre com o artista bradando: "Êxodo, marcha do povo de Jah."
Leia aqui a tese de doutorado "Rastafari: identidade e hibridismo cultural na Jamaica, 1930-1981."
4 comentários:
acho que a logistica disso seria bem complicada. quando os judeus fizeram isso na palestina, no fim da segunda guerra, banqueiros e outros milionários judeus influentes do mundo branco civilizado, compraram a ideia, junto com os eua e GB encabeçando. naquela época estava em jogo não uma identidade ou nação sem pátria, mas a manutenção e o acasso a cientistas de renome, industriais e ao embrião do que hoje chamamos FMI. era um tipo de eugenia social que teve e ainda tem respaldo financeiro e ideológico forte.
A idéia é romântica mas o povo já devem ter raizes platadas, seria uma mudança radical, mas...
a idéia do panafricanismo e do nacionalismo negro me agrada... não digo que esse seja o melhor caminho, enviar todos os negros à África, no entanto há se convir que dentro do panafricanismo temos como tirar muitas coisas viáveis...
A Ideia me agrada muito, mais precisamos mais do que isto.
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