(...)Na Améria do Sul, da mesma forma que na África do Sul ou na América do Norte, o ato sexual entre branco dominador e negra conquistada contitui traço fundamental do racismo: um instrumento de dominação por si mesmo. Sua origem social está no estupro violento da mulher africana pelo senhor escravista, e a sistemática prostituição da primeira para o lucro do segundo. Mais profundamente encontra-se na tendência bélica, universal entre as sociedades patriarcais, de estuprar as mulheres de povos derrotados, como elemento rotineiro da pilhagem consequente à conquista.
(...)Também se evidencia na crescente taxa generalizada de estupros e de agressão sexual depois da deflagração do chamado movimento feminista, refletindo a tentativa de reafirmação masculina de domínio político, desafiado por tal movimento.
Vale dizer que a política do estupro tem um aspecto complementar no sentido da dominação racial: o homem negro é a vítima fácil de falsas acusações (com a consequente prisão e/ou tortura) de violações à muler branca.
O estupro, expressão e afirmação de relações de poder entre senhor e escravo, não constitui fenômeno exclusivamente latino: foi uma realidade sistêmica também nos tempos coloniais dos Estados Unidos. Maulana Ron Karenga observa que
o estupro não era simplismente um ato sexual e pessoal contra a mulher negra, mas um contínuo terrorismo para dar lições concretas, para demonstrar a vulnerabilidade da mulher negra, a impotência do homem negro, e assim, a vulnerabiliade e a impotência da comunidade negra como um todo.
A sociedade patriarcal brasileira, e seus expoentes acadêmicos, da mesma forma que os do mundo hispano-americano, no entanto conseguiram edificar uma mistificação do estupro, infelizmente eficaz, que o apresenta como símbolo de relações raciais harmoniosas. Pierre Verger, por exemplo, nos informa loquazmente que os meninos brancos filhos do senhor,
experimentavam sua iniciação sexual com as garotas de cor tralhando na casa grande ou nos canaviais, assim infundindo elementos de atração sexual e compreensão com o que se escolheu chamar de pessoas e raças diferentes.
Se Verger "escolheu" chamar as mulheres africanas de "pessoas de outra raça", elas não tiveram a oportunidade de se manifestar nesse sentido quando foram arrancadas da sua terra natal, trazidas à força para terras alheias, e vitimadas pela agressão sexual do opressor, tudo isso sob a justificação de que pertenciam a uma "raça inferior". Com essa declaração, Verger exemplifica a idéia do estupro como sintoma de uma relação saudável e feliz entre os seres humanos. Esse conceito se baseia, evidentemente, no preceito básico das sociedades patriarcais, de que "as mulheres gostam da coisa, de qualquer maneira que venha", racionalização milenar da violência sexual como instrumento e sintoma de dominação.(...)
Outro símbolo da chamada democracia racial latino-americana é a mulata, aparentemente concebida como objeto de um desejo ou um prazer cultivado exclusivamente pelo branco latino. Contudo, a verdade é outra: a mulata constituiu e contitui "um objeto sexual preferido também nos Estados Unidos, famosa pela sua beleza e ardor". A mulata clara, denominada em inglês a "high-yaller woman" (moça alta-amarela), "tem sido sempre valorizada como amante entre os homens brancos."(...)Nas palavras de Lélia González:
Já o termo "mulata" implica na forma mais sofisticada de reitificação: ela é denominada "produto de exportação", ou seja, objeto a ser consumido pelos turistas e pelos nacionais burgueses. Temos aqui a enganosa oferta de um pseudomercado de trabalho que funciona como um funil e que, em última instância, determina um alto grau de alienação.
A hierarquia social da pigmentação tampouco constitui fenômeno exclusivamente latino.(...)a estética da brancura opera para criar uma estratificação de prestígio baseado nos matizes da epiderme(...)
(...)Etnicamente falando, o supremacismo branco tem sido sempre a causa de cisões no mundo negro, lançando o negro de cabelo liso contra o negro de cabelo encaracolado; colocando o negro de nariz afilado contra o negro de nariz chato; opondo o negro de origem africana ao de origem asiática; e finalmente, indispondo o negro das Américas contra o da África e da Ásia. Não há limite às divisões patrocinadas pelo supremacismo branco no mundo negro.
"Pan-africanismo na América do Sul Emergência de uma rebelião negra"
páginas 121, 122, 123, 124, 125
(Elisa Larkin Nascimento)
2 comentários:
Obrigado pela aprovação, mulher rosa, a negra de verdade Camila! bjo!
porque será que ninguém comenta esses tipos de posts?????
porque é extenso ou porque de fato mexe em demasia com o ser pessoal????
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